Cheguei de Corinthiana
Guardo na memória boas lembranças da minha vida de Promotor de Justiça, principalmente dos tempos em que, por força da carreira, ainda morava no interior do estado — primeiro sozinho, quando solteiro, depois com a família, em cidades que marcaram nossas vidas. Fui titular da Promotoria de Justiça da Comarca de Siqueira Campos, região conhecida como Norte Velho, cuja estrada de rodagem, na época, era de macadame: estreita, perigosa; quando chovia, tornava-se barrenta e lisa, e quando fazia sol, levantava uma nuvem de pó vermelho. Saindo de Curitiba, o roteiro percorrido passava por Campo Largo, Ponta Grossa — onde terminava o asfalto — depois vinha Carambeí, Castro, Piraí do Sul, Jaguariaíva, Arapoti, Wenceslau Brás, e então se chegava a Siqueira Campos.
Cidade de porte pequeno, de pouco movimento. Segundo consta, foi colonizada por famílias oriundas de Minas Gerais, com um povo ordeiro e trabalhador. A grande dificuldade para quem chegava com a família era encontrar casa para morar. Tal dificuldade me impôs instalar-me com a mulher e um filho de três anos de idade em uma pensão para viajantes, cujo banheiro era coletivo.
Foi um período de dez meses nada agradável, porém era o ônus da carreira, até que fui removido (transferido) para a Comarca de Faxinal, onde havia casa oficial para morar.
O Juiz de Direito da Comarca de Siqueira Campos era o saudoso Dr. Glademir Vidal Antunes Panizzi, homem culto, que, por ironia do destino, décadas depois, reencontrei como colega no Tribunal de Alçada e no Tribunal de Justiça, em cujas Câmaras Cíveis fui seu Presidente. Um amigo leal, de quem tenho muitas saudades.
Lembro que, no período de férias forenses do mês de julho (1973), passei o mês inteiro com a família em Curitiba, pois o salário não permitia excessos. Viagens de turismo eram um luxo que exigia prévia e rigorosa economia.
A diversão da maioria dos colegas do MP e da Magistratura era o encontro aos sábados na Boca Maldita, para jogar conversa fora. Muitos também percorriam os corredores da Procuradoria-Geral de Justiça ou dos Tribunais, para um café amigo, conversar e tentar conviver com aqueles que, hierarquicamente, estavam no degrau máximo das respectivas carreiras.
Geralmente, no último dia de férias (elas eram coletivas para juízes e promotores), começavam os retornos para as comarcas, quando eram realizadas as viagens de volta para casa, sendo o automóvel o meio de transporte usado para esse fim.
Claro que eu era um deles. Depois de colocar a bagagem (enorme) no Dodge 1800, cor azul metálico, e esperar que minha mulher e filho se acomodassem dentro do carro (com o filho sentado no colo da mãe, no banco dianteiro — o que hoje seria infração de trânsito), após as despedidas dos parentes que ficavam, o objetivo era chegar a Siqueira Campos.
Tudo transcorreu muito bem até a cidade de Ponta Grossa, onde terminava a pista asfaltada. Dali em diante, o tempo mudou e começou a chover cântaros d’água. A estrada virou uma paçoca de lama e ficou lisa como sabão.
Até a cidade de Jaguariaíva conseguimos chegar, com mil e uma peripécias para não atolar fora do “carreiro” da estrada, nem bater nos barrancos que havia dos lados.
Mas, como era o último dia de férias, no dia seguinte eu teria que fazer expediente no fórum, além de passar um telegrama ao chefe do MP, Dr. Acyr Saldanha Loyola, informando que havia retornado das férias e reassumido minhas funções — tempo em que a Instituição mantinha rígido controle funcional.
Só que eu não tinha mais condições de enfrentar a estrada: a chuva não parava, e eu receava atolar o carro na lama. De repente, lembrei que o engenheiro-chefe da estação de trem de Jaguariaíva (ramal que liga Curitiba à cidade de Ourinhos-SP e passa por Siqueira Campos) era meu amigo Carlos Mascarenhas, e fui falar com ele no escritório da ferrovia.
Foi um encontro festivo. Ele sugeriu que eu deixasse meu carro ali, e que o transportaria por trem até a estação de Siqueira Campos — faltando apenas saber como prosseguiríamos viagem até minha casa.
Vi pela janela do escritório do Mascarenhas uma Rural Willys, quatro portas, tração nas quatro rodas, pintada de branco e preto — era então apelidada de "Corinthiana" — e que pertencia à Delegacia de Polícia local.
Não tive dúvidas: fui até a delegacia, conversei com o delegado, e ele prontamente ofereceu a caminhonete para me levar até Siqueira Campos. Foi a solução.
Foi assim que cheguei com minha mulher e filho à cidade onde morava, sob o olhar espantado de muitas pessoas da cidade que ainda não sabiam quem eu era…
“Viajar pelo interior do Paraná antes do governo Jaime Canet era uma aventura. Ainda bem que carros e caminhões não eram como os de hoje, pois, se fossem, ao final de cada viagem desmontariam. De Curitiba à Foz do Iguaçu levava-se um dia inteiro. Hoje, há quem faça em seis ou sete horas, em rodovias asfaltadas, pedagiadas e com máxima segurança. Os acidentes decorrem da negligência e imprudência dos motoristas, sendo os principais destes os de caminhões.”