Gente Na Calçada
Dia de descanso, de alegria por estar com a família ou egoisticamente de pescaria. Pelo menos do que eu me lembro dos anos verdes de minha vida quando morava na casa de meus pais o domingo era compartilhado com os avós, filhos, tios, cunhados, primos e sobrinhos.
Tempo em que a família representava o teto, a segurança, o conforto, o agasalho e o amor. Os filhos menores orbitavam ao redor dos pais e estes faziam a programação do dia para onde ir, vestir, sem opção para recusar; as filhas quando muito saiam sozinhas apenas acompanhadas com as primas para passeios em lugares públicos e não muito longe de casa; já os filhos homens quando crianças tinham liberdade de brincar na casa de uma ou outra tia com os primos e sob a vigilância constante da mãe, posteriormente, quando começava a aparecer os pelos da barba a liberdade era um pouco maior porque poderia sair com amigos que os pais bem conheciam mas sempre com hora marcada para retornar à casa.
E ai que chegasse atrasado. Sermão com certeza, cara feia e muita cobrança. As famílias cultivavam mais ou menos o mesmo hábito, mudava apenas a aparência da casa de morada, a condição financeira de um para outro clã, porque no mais as preocupações do cotidiano se igualavam com a certeza de que os problemas sempre entravam por portas diferentes. Todas as famílias carregavam seus próprios problemas.
Tal qual ocorre hoje em dia em que só mudam os atores e os cenários. Pois bem, retornando ao passado e lembrando do dia de domingo, as vezes até no sábado à noite, uma distração que as famílias cultivavam era estacionar o carro na Rua XV de Novembro, onde todos permaneciam dentro dele, com os vidros semi abertos, só para apreciar o movimento de pedestres nas calçadas que serviam de comentários e comparações, pelo modo de trajar, andar, se comportar e até com críticas sobre a saia curta de uma moça ou de uma senhora, o decote ou o excesso de maquilagem usada no rosto.
E não passava nada desapercebido quando o alvo era uma mulher porque até o salto alto de seu sapato dava um bom caldo de ironias. As moçoilas família apenas confrontavam os rapazes bem afeiçoados que passavam sozinhos ou em bando mas só comentavam sobre a roupa que um ou outro usava e nada mais.
Os automóveis só desocupavam as áreas de estacionamento depois que terminavam as sessões dos Cines Opera, Avenida, Palácio e Ritz, todos localizado próximos uns dos outros na mesma via pública, pois quando aumentava o número de pedestres.
Ver pessoas caminharem nas calçadas não era a única distração das famílias que tinham carro pois outra programação costumeira era assistir da sacada do aeroporto Afonso Pena as chegadas e partidas dos aviões da Cruzeiro do Sul, Real Aerovias e da Varig. Os voos eram poucos e para aproveitar bem o entretenimento do local a estada no recinto levava horas.
E os passageiros que chegavam ou que estavam prestes a embarcar mereciam a atenção de todos aqueles que só sonhavam como seria viajar de avião. Eram pessoas especiais, elegantes, quase sempre conhecidas porque desfilavam nas páginas sociais da “Gazeta do Povo”. Tinham algumas famílias que no domingo programavam piquenique no Alto da Serra do Purunã, no Rio dos Papagaios que corria sobre rochas e a água era meio avermelhada porém transparente; outras famílias preferiam o Parque Verde, sem contar que o Passeio Publico era o local mais concorrido para apreciar os animais das mais variadas espécies e andar de “pedalinho” nas águas turvas daquele logradouro publico que faz parte da história curitibana.
E hoje? Ninguém mais estaciona o carro com toda a família dentro para apreciar os pedestres andando nas calçadas, pois é difícil reunir os filhos e os pais não tem tempo e estão cansados preferindo ficar na companhia de amigos. Claro que exceções ainda existem, mas não para observar pessoas andando.
Não mesmo. Esta foi conduta cultivada em uma época e por gerações que estão dia a dia deixando o palco da vida, gente que tinha muito pouco para fazer mas que conseguia ocupar o tempo de folga inventando mil maneiras para viver bem…
“Não vivo do passado mas gosto de recordar os momentos porque estes são os nossos únicos patrimônios que ninguém consegue nos tirar. Cada segundo bem vivido torna a existência prazeirosa -, e mais, serve também de lição de vida, basta saber ler.”
Édson Vidal Pinto